Um dos jovens que tocaram fogo no Índio Galdino passa em concurso para a polícia

Monumento em Brasília lembra o massacre dos jovens a um índio indefeso
G1

Um dos cinco jovens condenados por participar do assassinato do índio Galdino Jesus dos Santos, queimado vivo enquanto dormia em uma parada de ônibus em Brasília, em 1997, foi aprovado na última fase do concurso da Polícia Civil. O resultado final, com avaliação da vida pregressa dos candidatos, será publicado no Diário Oficial do DF nos próximos dias.

G.N.A.J. tinha 16 anos quando participou do crime. Na época, ele foi encaminhado para um centro de reabilitação juvenil, condenado a cumprir um ano de medidas socioeducativas, mas passou apenas três meses internado. Agora, com 34 anos, ele foi aprovado nas provas objetiva, física, médica, psicológica, e toxicológica do concurso da Polícia Civil. O salário é de R$ 7,5 mil.

Segundo o edital do concurso, realizado pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília  (Cespe/UnB), a sindicância da vida pregressa e investigação social tem caráter eliminatório e avalia a idoneidade moral do candidato no âmbito social, administrativo, civil e criminal.

O requisito, “indispensável para aprovação” no concurso, segundo o edital, é avaliado por uma comissão formada pela direção da Polícia Civil. O edital diz que os candidatos devem apresentar antecedentes criminais da Justiça Federal, do DF, da Justiça Militar e Eleitoral, da Polícia Federal e Civil da cidade onde residiu nos últimos cinco anos" e também certidões de cartórios de protestos de títulos e de interdição e de tutelas.

A Polícia Civil informou ao G1 que o candidato ainda não foi aprovado no edital de vida pregressa e, portanto, não foi aceito no concurso. O Ministério Público afirmou que só atua em casos onde há ilegalidades e que fiscaliza apenas pessoas quando estão em cumprimento de penas.

Para o professor de administração pública José Matias-Pereira, da UnB, apesar de ter sido condenado, G.N.A.J. já cumpriu a pena e, legalmente, não há impedimento para que ele assuma o cargo de policial civil.

“O que se pode questionar é o aspecto moral – porque se tem uma questão de ética e uma questão moral. No caso, seria a pena moral que a sociedade aplicou pelo seu comportamento. A sociedade entende que moralmente o comportamento dele não é compatível com o cargo público que envolve, digamos assim, questões relacionadas à segurança pública e à própria violência”, diz.

“Se houver algum tipo de posição contrária da banca, no entanto, certamente ele vai entrar com uma ação na Justiça e vai ganhar. Do ponto de vista de dever algo para a sociedade ele não deve mais. A única coisa hoje que prende ele nessa questão toda é a do aspecto moral, da atitude que ele tomou num determinado momento da vida dele.”

Crime - Em 20 de abril de 1997, cinco rapazes de classe média de Brasília atearam fogo no índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, bairro nobre da capital federal. Após o crime, eles fugiram.

Um homem que passava pelo local anotou o numero da placa do carro dos jovens e entregou à polícia. Horas depois, Galdino morreu. Ele teve 95% do corpo queimado – o fogo só não atingiu a parte de trás da cabeça e a sola dos pés.

Quatro anos após o crime, Max Rogério Alves, Eron Chaves de Oliveira, Tomás Oliveira de Almeida e Antônio Novély Cardoso de Vilanova foram condenados pelo júri popular a 14 anos de prisão, em regime integralmente fechado, pelo crime de homicídio triplamente qualificado – por motivo torpe, meio cruel e uso de recurso que impossibilitou defesa à vítima. Por ser menor, G.N.A.J. foi condenado a um ano de medidas socioeducativas.

Galdino havia chegado a Brasília um dia antes de ser morto – no dia 19 de abril, Dia do Índio. Ele participou de várias manifestações pelos direitos dos indígenas.

Condenados por crime hediondo, Max, Antônio, Tomás e Eron não teriam, à época, direito à progressão de pena ou outros benefícios. A lei prevê a liberdade condicional após o cumprimento de dois terços da pena. Mas, em 2002, a 1ª Turma Criminal fez uma interpretação diferente. Como não há veto a benefícios específicos na lei, os desembargadores concederam autorização para que os quatro exercessem funções administrativas em órgãos públicos.

As autorizações da Justiça permitiam estritamente que os quatro saíssem do presídio da Papuda para trabalhar e retornassem ao final do expediente. A turma de juízes chegou a permitir que os quatro também estudassem, mas, como há proibição específica na Lei de Execuções Penais, o Ministério Público recorreu e conseguiu revogar a permissão de estudo para Eron Oliveira e Tomás Oliveira. Mesmo assim, eles continuaram estudando em universidades locais, contrariando a decisão.

Em outubro do mesmo ano, o jornal "Correio Braziliense" flagrou três dos cinco rapazes bebendo cerveja em um bar, namorando e dirigindo o próprio carro até o presídio, sem passar por qualquer tipo de revista na volta. Após a denúncia, os assassinos perderam, temporariamente, o direito ao regime semiaberto, que era o que permitia o trabalho e o estudo externos.

Em agosto de 2004, os quatro rapazes ganharam o direito ao livramento condicional, mas eles precisam seguir algumas regras de comportamento impostas pelo juiz no processo para manter a liberdade, como não sair do Distrito Federal sem autorização da Justiça e comunicar periodicamente ao juiz sua atividade profissional.
(Matéria originalmente publicada no portal G1 Distrito Federal)